quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A pressão é sobre o jornalista, mas quem manda é o dono do jornal


Adriana Santiago[1]*

BREED, Warren. Controlo social na redacção. Uma análise funcional. In: TRAQUINA, Nelson. (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega, 1999. 2ªEd. P. 152-166.

O jornalista é levado a ser ‘socializado’ pela redação e a política editorial da organização jornalista onde ele trabalha, por uma sucessão sutil de recompensas e punições. E na maioria das vezes, o profissional se conforma mais com as normas editoriais da política editorial da organização do que com quaisquer crenças pessoais que tivesse trazido consigo para o veículo em que trabalha. Nisto consiste a teoria organizacional de Warren Breed, de 1955. Mais atual, impossível. Em alguns casos, o jornalista não só assume como potencializa esta política, a ponto de ser mais “patrão” do que o “patrão”.


Breed defende que existam controles sociais velados na redação que levam ao conformismo dos profissionais com a política editorial, embora esses mecanismos possam ser ultrapassados a depender das atitudes do staff e da situação noticiosa, que podem diminuir a força política do publisher. “Idealmente, numa democracia plena, não existia nenhum problema, quer de ‘controlo’ quer de ‘política’ do jornal. Os únicos controlos seriam a natureza dos acontecimentos e a habilidade do repórter para o descrever” (BREED, 1993, p. 152).

O jornalista é apresentado como empregado, participante de uma hierarquia profissional, e submisso à política editorial dos patrões. A aceitação só não é automática, segundo Breed, porque ainda existem “normas de ética jornalísticas”; a tendência de terem atitudes mais tolerantes e abertas às questões morais e de liberdade individual dos profissionais; e o que chama de “tabu ético” que impede o editor a obrigar abertamente os profissionais subordinados a seguirem sua orientação. Quer dizer, ainda há a necessidade prática e democrática de uma “imprensa livre e responsável”. Daí, disfarçam essa orientação política no que chamam de linha editorial.

As normas da organização são veladas, mas devem ser absorvidas “por osmose”, para evitar punições e obter recompensas. “Em termos sociológicos, isto significa que se socializam e ‘aprendem as regras’ como um neófito numa subcultura” (BREED,1993, p.155). O jornalista teria uma “autonomia consentida”, de acordo com os requisitos da empresa onde trabalha. Alguns chegam a ter que “tomar decisões esporádicas” sobre a relação que tem com o jornal, mas a necessidade de manter-se empregado deixa o jornalista conformado com seu papel na organização, e não mais aspirante a uma função de serviço social.

As recompensas profissionais não são obtidas através dos leitores, mas entre os colegas e superiores. O fator tempo impede o jornalista de cobrir muitos acontecimentos em um único dia e a política editorial restringe os assuntos que devem ser publicados. Essa conjuntura força o profissional a dedicar-se ao trabalho de colher notícias, ao invés de questionar a política editorial.

Breed identifica fatores que levariam a um conformismo com a política editorial da organização, o que para ele enfatizaria uma cultura organizacional, em vez de uma cultura profissional. São eles:

1.       Autoridade institucional e as sanções – muitas das sanções exercidas nas rotinas produtivas, ou seja, desde a distribuição das pautas ou exclusão de matérias;
2.       Sentimentos de obrigação e estima para com os superiores;
3.       Aspiração de mobilidade – os rebeldes não avançam na carreira;
4.       Ausência de grupos de lealdade em conflito – a resistência em muitas redações da presença e atuação da representação sindical;
5.       O prazer da atividade – jornalistas gostam de seu trabalho, as tarefas são interessantes, resultam em satisfações de caráter não-financeiro;
6.       As notícias como valor – a harmonia entre jornalistas e a direção é cimentada pelo interesse comum pela notícia

Ao mesmo tempo, a pesquisa de Breed aponta que há desvios importantes onde os profissionais conseguem driblar o controle da empresa e se aproximar da função ideal do jornalismo. É como se o jornalismo sobrevivesse dessas brechas nas políticas editoriais das empresas, não esquecendo que esse cenário foi construído nos anos 1950. Os desvios dos jornalistas classificados por Breed são:

1.       Valem-se de que as normas da política editorial não são explícitas, são vagas e pouco estruturadas, e praticam pequenas distorções que passam despercebidas.
2.       Escrevem reportagens dentro dos temas permitidos, mas impõem os personagens, o roteiro das entrevistas, as citações e o tom dos textos de acordo com suas preferências. Os diretores podem ignorar certos fatos específicos na reportagem, então o jornalista pode usar seus conhecimentos para subverter a política editorial. Em muitos momentos cabe ao jornalista fazer escolhas como: decidir quem será entrevistado, quais perguntas serão feitas, quais citações anotadas entre outra. Assim, decide qual tom dará aos elementos da notícia.
3.       Quando um jornalista consegue uma boa história sobre um determinado assunto e a política editorial de um jornal não dá destaque, o profissional pode utilizar a técnica da “prova forjada”. Essa técnica consiste em publicar a matéria em um outro jornal através de um jornalista amigo e depois apresentá-la a seu editor, alegando que o assunto tornou-se importante e que não pode mais ser ignorado
4.       Os jornalistas aproveitam a maior liberdade que possuem em sua ronda habitual e nas histórias que já iniciaram para imprimir um viés mais pessoal (e não organizacional) ao texto. Em relação ao tipo de estória, o jornalista tem maior autonomia no beat story (ronda habitual), quando o repórter ganha a função de “editor” pois é ele quem decide, até certo ponto, quais estórias investigar e quais ignorar; e na estória iniciada pelo próprio jornalista.
5.       Os jornalistas com um “estatuto” de “estrela” podem mais facilmente transgredir a política editorial”.

A política editorial projeta o interesse do poder hegemônico, por isso algumas informações importantes são negadas aos cidadãos. “Para a sociedade como um todo, é mantido o sistema existente de relações de poder. A política do jornal protege, geralmente, a propriedade e os interesses de classe, e por isso as classes sociais e os grupos detentores destes interesses estão melhor habilitados para os reter” (BREED, 1993, p.164). A prática produz efeitos que o autor chama de ‘adaptações’, limando arestas da política editorial sempre que possível, para tentar reprimir o conflito da moral e anti-intelectual e tentar compensar militando em outras frentes. São ajustamentos para justificar não estar aderindo a uma ‘boa prática noticiosa’.

Breed ainda propõe alternativas para mudanças estruturas nestas rotinas organizacionais, como pressionar o publisher pela redação ou vindo de setores externos como o código deontológicos, leitores e forças profissionais organizadas.

Apesar de ter avisado nesta resenha que o texto é de 1955, parece ser feito para as redações atuais. Ainda hoje há presença dos princípios da Teoria Organizacional no fazer jornalístico. Apesar de a internet ter expandido o jornalismo independente, o ganha-pão deste profissional ainda se dá nas instituições formais e persistem os constrangimentos, se não, a chegada de novos modelos.

Sobre o autor:

Warren Breed, 1915-1999. Jornalista, doutor em Sociologia, docente da Universidade de Tulane, em Nova Orleans (1950-1969). Desde sua tese de doutorado (1952) procurou definir o que são e onde estão os fatores de controle no processo de produção da notícia. Publicou o estudo introdutório da Teoria Organizacional na revista “Forças Sociais”, em 1955. É autor de The Newspaperman, News and Society (Arno Press, 1952) e The Selfguiding Society (Free Press, 1971). Ainda hoje tem suas pesquisas referenciadas no Brasil, com aporte de Nelson Traquina que organizou como teoria a obra ‘Teorias do Jornalismo’ (2005). Entre os estudos do século 20 sobre o jornalismo, a teoria organizacional formulada por Warren Breed, se destaca na pesquisa que trata dos constrangimentos organizacionais sobre a atividade profissional do jornalista.



[1] Adriana Santiago é doutoranda no Programa Comunicação e Cultura Contemporânea (Poscom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor).

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