Adriana Santiago[1]*
BREED, Warren. Controlo social na redacção. Uma análise funcional. In:
TRAQUINA, Nelson. (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa:
Vega, 1999. 2ªEd. P. 152-166.
O jornalista é levado a ser ‘socializado’ pela redação e a política
editorial da organização jornalista onde ele trabalha, por uma sucessão sutil
de recompensas e punições. E na maioria das vezes, o profissional se conforma
mais com as normas editoriais da política editorial da organização do que com
quaisquer crenças pessoais que tivesse trazido consigo para o veículo em que
trabalha. Nisto consiste a teoria organizacional de Warren Breed, de 1955. Mais
atual, impossível. Em alguns casos, o jornalista não só assume como
potencializa esta política, a ponto de ser mais “patrão” do que o “patrão”.
Breed defende que existam controles sociais velados na redação que
levam ao conformismo dos profissionais com a política editorial, embora esses
mecanismos possam ser ultrapassados a depender das atitudes do staff e da
situação noticiosa, que podem diminuir a força política do publisher. “Idealmente,
numa democracia plena, não existia nenhum problema, quer de ‘controlo’ quer de ‘política’
do jornal. Os únicos controlos seriam a natureza dos acontecimentos e a
habilidade do repórter para o descrever” (BREED, 1993, p. 152).
O jornalista é apresentado como empregado, participante de uma
hierarquia profissional, e submisso à política editorial dos patrões. A
aceitação só não é automática, segundo Breed, porque ainda existem “normas de
ética jornalísticas”; a tendência de terem atitudes mais tolerantes e abertas
às questões morais e de liberdade individual dos profissionais; e o que chama
de “tabu ético” que impede o editor a obrigar abertamente os profissionais
subordinados a seguirem sua orientação. Quer dizer, ainda há a necessidade
prática e democrática de uma “imprensa livre e responsável”. Daí, disfarçam
essa orientação política no que chamam de linha editorial.
As normas da organização são veladas, mas devem ser absorvidas “por
osmose”, para evitar punições e obter recompensas. “Em termos sociológicos,
isto significa que se socializam e ‘aprendem as regras’ como um neófito numa
subcultura” (BREED,1993, p.155). O jornalista teria uma “autonomia consentida”,
de acordo com os requisitos da empresa onde trabalha. Alguns chegam a ter que “tomar
decisões esporádicas” sobre a relação que tem com o jornal, mas a necessidade
de manter-se empregado deixa o jornalista conformado com seu papel na
organização, e não mais aspirante a uma função de serviço social.
As recompensas profissionais não são obtidas através dos leitores, mas
entre os colegas e superiores. O fator tempo impede o jornalista de cobrir
muitos acontecimentos em um único dia e a política editorial restringe os
assuntos que devem ser publicados. Essa conjuntura força o profissional a
dedicar-se ao trabalho de colher notícias, ao invés de questionar a política
editorial.
Breed identifica fatores que levariam a um conformismo com a política
editorial da organização, o que para ele enfatizaria uma cultura
organizacional, em vez de uma cultura profissional. São eles:
1.
Autoridade institucional e as sanções – muitas
das sanções exercidas nas rotinas produtivas, ou seja, desde a distribuição das
pautas ou exclusão de matérias;
2. Sentimentos
de obrigação e estima para com os superiores;
3. Aspiração
de mobilidade – os rebeldes não avançam na carreira;
4. Ausência
de grupos de lealdade em conflito – a resistência em muitas redações da
presença e atuação da representação sindical;
5. O
prazer da atividade – jornalistas gostam de seu trabalho, as tarefas são
interessantes, resultam em satisfações de caráter não-financeiro;
6.
As notícias como valor – a harmonia entre
jornalistas e a direção é cimentada pelo interesse comum pela notícia
Ao mesmo tempo, a pesquisa de Breed aponta que há desvios importantes
onde os profissionais conseguem driblar o controle da empresa e se aproximar da
função ideal do jornalismo. É como se o jornalismo sobrevivesse dessas brechas nas
políticas editoriais das empresas, não esquecendo que esse cenário foi construído
nos anos 1950. Os desvios dos jornalistas classificados por Breed são:
1.
Valem-se de que as normas da política editorial
não são explícitas, são vagas e pouco estruturadas, e praticam pequenas distorções
que passam despercebidas.
2. Escrevem
reportagens dentro dos temas permitidos, mas impõem os personagens, o roteiro
das entrevistas, as citações e o tom dos textos de acordo com suas
preferências. Os diretores podem ignorar certos fatos específicos na
reportagem, então o jornalista pode usar seus conhecimentos para subverter a
política editorial. Em muitos momentos cabe ao jornalista fazer escolhas como:
decidir quem será entrevistado, quais perguntas serão feitas, quais citações
anotadas entre outra. Assim, decide qual tom dará aos elementos da notícia.
3. Quando
um jornalista consegue uma boa história sobre um determinado assunto e a
política editorial de um jornal não dá destaque, o profissional pode utilizar a
técnica da “prova forjada”. Essa técnica consiste em publicar a matéria em um
outro jornal através de um jornalista amigo e depois apresentá-la a seu editor,
alegando que o assunto tornou-se importante e que não pode mais ser ignorado
4. Os
jornalistas aproveitam a maior liberdade que possuem em sua ronda habitual e
nas histórias que já iniciaram para imprimir um viés mais pessoal (e não
organizacional) ao texto. Em relação ao tipo de estória, o jornalista tem maior
autonomia no beat story (ronda habitual), quando o repórter ganha a função de
“editor” pois é ele quem decide, até certo ponto, quais estórias investigar e
quais ignorar; e na estória iniciada pelo próprio jornalista.
5.
Os jornalistas com um “estatuto” de “estrela”
podem mais facilmente transgredir a política editorial”.
A política editorial projeta o interesse do poder hegemônico, por isso
algumas informações importantes são negadas aos cidadãos. “Para a sociedade
como um todo, é mantido o sistema existente de relações de poder. A política do
jornal protege, geralmente, a propriedade e os interesses de classe, e por isso
as classes sociais e os grupos detentores destes interesses estão melhor habilitados
para os reter” (BREED, 1993, p.164). A prática produz efeitos que o autor chama
de ‘adaptações’, limando arestas da política editorial sempre que possível, para
tentar reprimir o conflito da moral e anti-intelectual e tentar compensar
militando em outras frentes. São ajustamentos para justificar não estar
aderindo a uma ‘boa prática noticiosa’.
Breed ainda propõe alternativas para mudanças estruturas nestas
rotinas organizacionais, como pressionar o publisher pela redação ou vindo de setores
externos como o código deontológicos, leitores e forças profissionais
organizadas.
Apesar de ter avisado nesta resenha que o texto é de 1955, parece ser
feito para as redações atuais. Ainda hoje há presença dos princípios da Teoria
Organizacional no fazer jornalístico. Apesar de a internet ter expandido o
jornalismo independente, o ganha-pão deste profissional ainda se dá nas
instituições formais e persistem os constrangimentos, se não, a chegada de
novos modelos.
Sobre o autor:
Warren Breed, 1915-1999. Jornalista, doutor em Sociologia, docente da
Universidade de Tulane, em Nova Orleans (1950-1969). Desde sua tese de
doutorado (1952) procurou definir o que são e onde estão os fatores de controle
no processo de produção da notícia. Publicou o estudo introdutório da Teoria
Organizacional na revista “Forças Sociais”, em 1955. É autor de The
Newspaperman, News and Society (Arno Press, 1952) e The Selfguiding Society
(Free Press, 1971). Ainda hoje tem suas pesquisas referenciadas no Brasil, com
aporte de Nelson Traquina que organizou como teoria a obra ‘Teorias do
Jornalismo’ (2005). Entre os estudos do século 20 sobre o jornalismo, a teoria
organizacional formulada por Warren Breed, se destaca na pesquisa que trata dos
constrangimentos organizacionais sobre a atividade profissional do jornalista.
[1] Adriana
Santiago é doutoranda no Programa Comunicação e Cultura Contemporânea (Poscom)
da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professora da Universidade de
Fortaleza (Unifor).
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