Adriana
Santiago*
Resenha PósCOM
SCHUDSON,
Michael. News and Democratic Society: Past, Present, and Future. The Institute
of Advanced Studies in Culture. Disponível em: http://www.iasc-culture.org/eNews/2009_10/Schudson_LO.pdf (artigo do
livro Why Democracies Need an Unlovable Press, 2008).
Michael Schudson tem uma posição controvertida para
os padrões pragmáticos e neoliberais dos seus pares estadunidenses e, porque
não dizer, romântica do jornalismo. Ele acredita que o jornalismo tem funções,
tem um papel social importante. Neste ensaio de 2008, chama a atenção pela
defesa da função democrática inerente ao jornalismo, como veremos logo a
seguir, mas julgo importante levar em consideração o contexto em que escreve.
Ele estava iniciando uma pesquisa que publicaria em 2009 e que causaria grande controvérsia
nos Estados Unidos. O relatório "A reconstrução do jornalismo americano” elaborado
juntamente com o jornalista Leonard Downie Jr., editor-executivo do Washington
Post por 17 anos, recomenda que jornais se transformem em empresas não
lucrativas, recebendo recursos até do governo, o que chocou os meios de
comunicação estadunidenses que, normalmente, satanizam a intervenção do Estado.
Schudson e Downie Jr. propõe transformar as
empresas jornalísticas em entidades de interesse público, não-lucrativas, com
uma cobrança de impostos revista pelo governo, com isso poderiam até aceitar
doações de fundações, entidades filantrópicas ou mesmo dinheiro público, desde
que fosse estabelecida uma fórmula para manter a isenção e imparcialidade das
coberturas. Ou seja, o modelo de negócio deveria ser modificado. Com esta
perspectiva, infere-se que o artigo em resenha já tenha indícios dessa
abordagem democrática de Schudson em busca de novos modelos a serem testados.
Talvez, exatamente porque já imaginasse uma virada
substancial do jornalismo, comece o artigo em resenha afirmando que “Democracia
e jornalismo não são a mesma coisa”, levantando um rol de estados sem garantias
democráticas onde continuou existindo jornalismo. Se o jornalismo pode existir
sem democracia, o que Schudson defende neste artigo é que, na democracia, o
jornalismo prospera e a alimenta. “Onde há democracia ou onde há forças
preparadas para realizá-la, o jornalismo pode fornecer inúmeros serviços para
ajudar a estabelecer ou manter um governo representativo.”
Schudson defende, assim, que existam seis funções
principais do jornalismo nas sociedades democráticas onde as notícias poderiam
servir para fortalecer uma democracia, e uma sétima, geralmente ignorada, que a
notícia deve servir para promover esta democracia. São elas: informação, onde
os meios de comunicação podem fornecer informações justas e completas para os
cidadãos fazerem boas escolhas políticas; investigação, quando os jornalistas
investigam fontes importantes do governo; análise, quando os meios de
comunicação fornecem estruturas coerentes de interpretação para ajudar os
cidadãos a compreender um mundo complexo; a empatia social, quando informa as
pessoas sobre iguais para que possam vir a apreciar os pontos de vista e as vidas
de outras pessoas, especialmente os menos favorecidos; fórum público, quando o
jornalismo proporciona um fórum para o diálogo entre os cidadãos (esfera pública);
e, mobilização, quando os meios agem como defensores de determinados programas
políticos e perspectivas e mobiliza as pessoas para agir em apoio a esses
programas.
Estas diferentes funções são, por vezes,
contraditórias, alerta o autor. Em particular, a mobilização ou função de
defesa ou ataque pode comprometer a confiabilidade das funções de informação e
investigação. Organizações de notícias diferentes podem enfatizar uma função
mais do que outra. Porém, afirma que um órgão de notícias único,
particularmente um jornal, pode servir a democracia em todas estas formas de
uma só vez.
Por fim, existe a função pouco usada pelos meios,
que é a promoção da democracia. Na verdade, ele usa o termo democracia liberal[1].
Schudson, neste artigo, defende que esta
função exige um papel mais democrático e não populista para o jornalista.
Lembra que, nas democracias representativas, através de constituições que criam
regras para a proteção dos direitos das minorias, é necessária uma democracia
liberal e transparente.
Com argumentos pautados em uma construção histórica
do passado e análise dos casos presentes, o autor começa a pensar o futuro, que
muda a dimensão do jornalismo, mas sem o pessimismo típico de alguns teóricos
com o fim dos jornais. Admite que alguns veículos não vão sobreviver, mas
Schudson é até otimista porque aposta em uma reconfiguração do modelo, e não na
sua extinção. Indício claro da virada do negócio e do modo de fazer jornalismo
prestes a propor.
Para ele, por mais que existam boas experiências na
web/blogosfera não há nenhuma organização de recolha de notícias on-line que
substitua os meios hoje instituídos pela grande imprensa e a produção destas
experiências são, na maioria, baseadas em impressões sobre a produção de grandes
jornais (New York Times, Washington Post, ou outros) ou de TV que são baseadas
em organização de mídia ainda maiores (CNN ou BBC ou outros). Assim, o autor
entende que: “Os esforços desses jornais não podem ser dispensados, embora o
modelo econômico que os sustenta tem de ser redesenhado”.
Web: fórum público e mobilização
É importante salientar ainda que Schudson destaca a
chegada da Web 2.0 e o crescimento da blogosfera, pois, com elas se destacam as
funções de fórum público e de mobilização do jornalismo. Para ele, elas têm
crescido muito mais em relação às funções de informação, de investigação e de empatia
social. A web cristaliza a função de fórum público da forma mais ampla e
profunda. “Sua virtude não é individual, mas social, a virtude da interação, de
conversa, de uma sociabilidade fácil e agradável democrática”. A Web, assim, também ajudaria a instituir a
sétima função ainda incipiente do jornalismo para a democracia, em que a
divisão entre o jornalista e a audiência para o jornalismo desaparece.
Um ponto a se pensar para o cenário do futuro é que
a função de informar fica distribuída entre diferentes organizações
jornalísticas e não jornalísticas, mas que não deve ser temido ou afastado, mas
aproveitado, recomenda. Esta função de informar, destaca, se relaciona com a
função de investigação e com o papel social que o jornalismo tem, por vezes,
oferecido à democracia.
“Devemos estar abertos
às suas possibilidades e reconhecer que a falta de regras deste sistema
descentralizado e multivocal informativo pode ser, entre outros, o maior bem da
democracia” (SCHUDSON,
2007)
Schudson chama a atenção para os perigos do
desequilíbrio das funções, como o excesso de investigação se transformar em um "o
espírito de investigação e espionagem", como os franceses criticavam os
repórteres americanos. Para ele, há
duas vertentes a respeito da investigação para a democracia, uma é que resulta
em publicidade contra os líderes poderosos e outro se concentra em como
notícias inspira a reflexão, o debate, o engajamento e entre as elites atentas.
“Os jornalistas, portanto, tem a obrigação de buscar afirmativamente o texto
por trás do texto, a história por trás da história”, preconiza.
O comprometimento necessário para a investigação e
análise também é considerado, pois o autor critica a pouca análise nos
impressos e nos meios gratuitos da web. Condena o uso instrumental da função da
empatia social, cada vez mais utilizada para abiscoitar audiência do que para
levantar debates mais profundos. Outro artificio é o que chama de "hipótese
da vivacidade" (Iyengar & Kinder, 1987), testada em laboratório, frisa,
que diz: “quanto o relato for mais vívido, dramático, ou emocionalmente
convincente, é quando mais o povo ou imagem estiverem expostos no texto, mais
ele vai influenciar a audiência, afetando as suas opiniões ou suportar mais
tempo em suas memórias”.
Desta forma, Schudson chama atenção para a perversa
instrumentalização das funções que hoje acontece no jornalismo em crise, mas
aponta para um horizonte de mudanças que passam por novos modelos de negócio
reconfigurados e caminha para um modelo mais próximo da democracia, como
acredita ser a função inerente do campo. Um modelo de jornalista como advogado
pode servir ao interesse público, mas a análise dos fatos, o levantamento de
possibilidade e o incentivar da interação nos fóruns públicos pode ainda mais
para empoderar o cidadão e fortalecer a democracia. Assim, volto a lembrar a
pesquisa posterior, quando Schudson propõe uma saída através de um jornalismo
não-lucrativo, talvez somente assim seria possível a isenção e a liberdade para
exercer as funções.
Sobre o autor
Michael Schudson fez mestrado e doutorado em
sociologia pela Universidade de Harvard. Ensinou na Universidade de Chicago
(1976-1980) e na Universidade da Califórnia de San Diego (1980-2009). A partir
de 2005, ele dividiu o seu tempo entre UCSD com a Escola de Pós-Graduação de
Jornalismo da Universidade de Columbia, até 2009, quando ficou integralmente. É
referência para vários pesquisadores de jornalismo no Brasil nos conceitos de
função social e democracia. Entre as obras mais conhecidas entre os brasileiros
estão os livros Discovering the news
(1978), traduzido recentemente na coleção Clássicos da Comunicação Social, da
Editora Vozes; The power of news
(1995), The good citizen (1998) e The sociology of news (2003). Tem sido
parceiro do Museu Guggenheim, pesquisador residente no Centro de Estudos
Avançados em Ciências Comportamentais de Palo Alto e ‘pesquisador-gênio’ da
Fundação MacArthur. Desde 2012 é membro da Academia Americana de Artes e
Ciências.
*Adriana
Santiago é doutoranda do Pos-Com Ufba e professora da Universidade de Fortaleza
(Unifor)
Referência bibliográfica
DOWNIE.Jr., Leonard; SCHUDSON, Michael. The Reconstruction of American Journalism.
Columbia University’s Graduate School of Journalism. NY. October 2009. Acessado em http://www.journalism.columbia.edu/system/documents/1/original/Reconstruction_of_Journalism.pdf
IYENGAR, Shanto; KINDER, Donald R. News that Matters: Television and American
Opinion. University of Chicago Press Chicago, 1987.
Este
texto foi originalmente publicado no site do Núcleo de Estudos em Jornalismo
(NJOR), da FACOM/UFBA, que está fora do ar.
[1] A democracia liberal vem do
ideal iluminista que tem como princípio a manutenção da soberania popular, que
garante ao povo, sobretudo, a escolha de seus representantes políticos, a
existência de instituições representativas e direitos políticos e civis. O
Estado não interfere diretamente neste controle, que é feito pela própria
dinâmica da sociedade.
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