Adriana Santiago*
Resenha PósCOM
NEVEU, Érik.
Sociologia do jornalismo. São Paulo: Loyola, 2006.
Em
um livro extremamente didático, onde quase tudo pode ser esquematizado em
tópicos sistemáticos, o sociólogo Erik Neveu defende que existe uma variedade
de práticas jornalísticas que diferem muito de uma mídia para outra e até de um
país para outro. Também pode-se destacar a forma como mostra as diferenças dos
jornalismos feitos na França em contraponto aos jornalismos estadunidense.
Neveu explica que o francês desenvolveu um formato diferente daquele que
impregnou todo o modo de fazer jornalismo na maior parte do mundo, e dá ao
leitor brasileiro uma perspectiva nova da prática profissional. Reflexões
pertinentes e atuais, mais um mérito para Neveu, que escreveu a obra em 2001.
Na
edição em português, de 2006, Manoel Marcos Guimarães, acrescenta o apêndice à
edição brasileira, intitulado “Sociologia do jornalismo: o caso Brasil”, com a
compilação de alguns autores e dados estimados pela Federação Nacional dos
Jornalistas (Fenaj) e Ministério do Trabalho. Dados sem muitos aprofundamentos,
uma vez que a própria Fenaj apresentou depois uma pesquisa realizada pelo
Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC em convênio com a
FENAJ.[1]
No
capítulo final, o autor faz uma análise da crise atual do jornalismo impactado pelos
efeitos da informação online em abundância. Após um detalhado quadro do
jornalismo francês, aponta que é possível contornar a crise com renovação e driblando
desafios, e destaca três: a aceleração da consolidação do jornalismo de
mercado; o tratamento à menor para a qualidade da mão-de-obra; e o prejuízo da
autonomia das redações para os departamento de gestão e marketing. As reflexões
do sociólogo sobre a França de 2001, quando foi publicada a primeira edição do
livro, para os dias de hoje no Brasil são muito pertinentes.
O
jornalismo de mercado, por exemplo, é aquele que dá prioridade às editorias que
podem maximizar o público, e chamam de editorias "úteis e
importantes", que só valorizam as softnews,
informação de serviço e de conteúdo emocional. Tudo bem parecido com os
jornais populares brasileiros que só aumentam as vendas e as tiragens e dão uma
margem de crescimento à imprensa diária brasileira (SELIGMAN, 2009). Quanto à
mão de obra desvalorizada, o que vemos são empregos sem vínculo, os conhecidos freelancers ou subemprego, com
jornalistas mal pago e o uso de estagiários em funções profissionais. Por fim,
as redações sem autonomia, é o que vemos como resultados nas capas de jornais,
onde cada vez mais conteúdos interessantes e menos importantes (GOMIS, 2002). O
mais preocupantes é que esta ‘linha editorial’ tangenciada do marketing tem
sido incorporada pelos profissionais, tanto na França, quanto no Brasil. Para
Neveu os jornais gratuitos é o exemplo que resume toda a crise.
Entre
as renovações, Neveu acredita que pode haver um jornalismo de comunicação, uma
vez que as profissões estão se fundido, “dissolução num continum de profissões de comunicação”, uma narrativa híbrida. Esta
mudança vai propiciar, na sua visão, uma imprensa institucional feita por
comunicadores, jornalistas e não-jornalistas, e, consequentemente o desenvolvimento
de um jornalismo de opinião. Assim, defende o jornalismo como algo além da
informação dada e tratada, mas acredita que o jornalista serve para organizar a
complexidade do mundo
As questões que surgem com a noção de
“jornalismo de comunicação” chamam a atenção para o quanto o jornalista não se
limita a fornecer “notícias", mas contribui também para organizar a
complexidade do mundo, para ajudar no confronto com as pressões do cotidiano.
Elas convidam também a estar atento às disparidades de emprego do modelo “de
comunicação” entre países, publicações e mídias, a questionar os meandros dessa
possível mudança de “paradigma” (NEVEAU, 2006, p.167)
Como
saídas, aponta que estão reativando regulações como os meios de assegurar a
responsabilidade social dos jornalistas (MARS), que pressupõe uma forma de
aproximar de um jornalismo mais democrático, o que se aproxima de Schudson
(2008), que reivindica uma função democrática para o jornalismo. Porém acredita
que só realmente será democrático enquanto tiver o apoio do Estado para evitar
pressões do mercado em demasia porém mantendo a independência, garantir o
pluralismo e introduzir as Ciências Sociais no debate público, através de
especialistas.
Para
chegar a estas conclusões, Neveu teve que vencer alguns obstáculos
epistemológicos, o que chama de “mitologias” da profissão, como imprensa livre,
quarto poder, valores de transparência, e jornalistas analistas que só aumentam
os mitos. Para Neveu é preciso realizar uma cartografia social que mostre a
rede de interdependência profissional com uma dimensão etnográfica. Assim,
começou a relatar seu estudo pelas origens da profissão na França e nos Estados
Unidos, mostrando as diferenças de formação e desenvolvimento.
Os
EUA tiveram um desenvolvimento meteórico, galgado no capitalismo e nos seus
“barões” “mercadores de notícias”, com uma lógica de mercado utilitarista de
caça alucinada às notícias, objetividade, maximização da audiência e
profissionalização forçada e, principalmente, liberdade de imprensa desde 1791.
A França, bem diferente, com quase 40 anos de atraso, só conseguiu ter seu
primeiro jornal mercantil livre de sanções em 1830. Lá, o jornal nasceu com uma
natureza política e era feito por pessoas sem profissionalização, apenas para
se tornarem políticos ou romancistas. Estes detalhes
fizeram a grande separação
entre as duas experiências de jornalismo, para Neveu.
A comparação dos modelos
anglo-americano e francês mostra que muitos traços que especificaram o
jornalismo francês são profundamente dissonantes das normas do jornalismo “americano”
que se tornaram a referência na maior parte dos países do mundo. Ela convida
também a procurar o porquê das diferenças, a identificar, por exemplo, a
extrema importância das relações de força entre jornalismo, campo político,
campo cultural, e a perceber que o peso do econômico sobre a profissão não é em
seu princípio uma inovação dos anos 1990. Mas, ao estilizar as diferenças para
suscitar as questões, correu o risco de abusar dos contrastes, que são
significativos, mas não tão dissonantes, como sua narrativa faz crer.
Assim, passa pelas noções da profissão, como as condições
formais de acesso à atividade (diploma, certificado); pois detém o monopólio
sobre a atividade, dispõem de uma cultura ética que pode fazer valer pelos
meios contratuais que o Estado lhe outorga, como as ordens profissionais e forma
uma comunidade real onde seus membros atribuem a ela o essencial de sua energia
social e são consciente de ter interesses comuns.
A
discussão sobre a organização da profissão e a necessidade de escolas na França
é bem mais defasada do que no Brasil, onde a profissão é regularizada desde a
Ditadura, mas o cenário se assemelha à brasileira, como o recrutamento maciço
para redações, aumento do nível de formação profissional, a Feminização e o
crescimento da instabilidade. Neveu fala do jornalismo francês e suas
peculiaridades, como o fato de a maioria estar em revistas especializadas. E
não veem mais o jornalismo como promotor de democracia.
Dividiu o jornalismo francês em cinco galáxias
(revistas especializadas, imprensa regional e local (proximidade), jornalismo
nacional, jornalismo audiovisual e agências de notícias. E fala das relações do
campo e conflitos de legitimidade, assim como detalha rotinas produtivas,
relações com as fontes e uma rede de interdependência e poder, onde o
jornalista tem poder pela rede de relações e porque pode problematizar assuntos
para serem debatidos pela opinião pública, com os efeitos de framming (enquadramento) e priming (ativação). Reforça a reflexão
de que o mundo é ordenado pela lógica jornalística (GERBBER), mas que não é o
todo poderoso que as mitologias pregam.
Referências
GOMIS, Lorenzo. Do importante
ao interessante - ensaio sobre critérios para a noticiabilidade no jornalismo.
Pauta Geral 4, 2002.
MICK,Jacques (Coord.); LIMA,
Samuel. Perfil do jornalista brasileiro - Características demográficas,
políticas e do trabalho jornalístico em 2012. Florianópolis, Insular, 2013
DSON, Michael. News and Democratic
Society: Past, Present, and Future. The Institute of Advanced Studies in
Culture. Disponível em: http://www.iasc-culture.org/eNews/2009_10/Schudson_LO.pdf (artigo do livro Why Democracies Need an
Unlovable Press, 2008)
SELIGMAN, Laura. Jornais
populares de qualidade: Ética e sensacionalismo em um novo padrão do jornalismo
de interior catarinense. In CHRISTOFOLETTI, Rogério (org.). Vitrine e vidraça:
Crítica de Mídia e Qualidade no Jornalismo. Covilhã, UBI, LabCom, Livros LabCom
2010. Acessado em http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20101103-christofoletti_vitrine_2010.pdf
[1]
Matéria “Pesquisa constata que maioria dos jornalistas é mulher e ganha até
cinco salários mínimos” acessada em 19 de fevereiro em http://www.fenaj.org.br/materia.php?id=3820
. O livro coordenado por Jacques Mick e Samuel Lima “Perfil do jornalista
Brasileiro – Características demográficas, políticas e do trabalho jornalístico
em 2012”, foi lançado em setembro do mesmo ano.
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