Vejo no interesse dos graduandos, um reflexo do mercado em construção. Foi assim com análise de discursos de produtos midiáticos, a internet e redes sociais, jornalismo especializado, projetos de comunicação coorporativa e, agora, me chegam propostas de pesquisa para discutir o sentindo do jornalismo. Talvez porque seja o tema da minha pesquisa de doutorado prevista para concluir em 2017, talvez porque o jornalismo e os seus interesses estejam sendo colocados em xeque de maneira violenta pela sociedade conectada e cada vez mais informada.
Tenho uma desconfiança: quantos mais ataques o jornalismo sofra, mais ele se fortaleça, mais se aperfeiçoe e, quem sabe, se recrie melhor e mais ético. Mas é quase uma esperança, sem fundamentos científicos. Em 2007, o pesquisador estadunidense Michael Schudson, professor da Universidade de Columbia, já chamava a atenção para o futuro do jornalismo em dez ou 20 ou 50 anos. “Ninguém sabe. Sabemos que vai ser mais online do que é hoje. Será mais online na próxima semana! Eu acho que podemos estar confiantes de que alguns tipos de noticiários de televisão e notícias de rádio vão continuar, mas há mais preocupações sobre jornais” (SCHUDSON, 2007, p.20).
O pesquisador afirma, ao mesmo tempo, que não há hoje no mundo nenhuma organização de recolha de notícias respeitada que não seja parte de uma empresa constituída aos moldes dos grandes jornais e emissoras de TV. Apesar de ser satanizado pelos críticos de ocasião e de redes sociais, o modelo das organizações jornalísticas ainda não foi superado. É fato que o jornalismo tem historicamente se transformado junto com a sociedade, reagindo às conjunturas econômicas, políticas e tecnológicas. Algumas coisas mudaram, outras continuarão, mas o jornalismo permanece como uma força que tem um importante papel na sociedade, apontado por muitos autores, como Schudson (2007), como condição para a democracia. Contudo, está cada vez mais questionado pelo público que prometeu servir que reage ruidosamente nas redes sociais quando vê o jornalismo usado para atender interesses particulares dos seus donos.
Desde o princípio da profissionalização, o jornalismo se apoia no discurso de imprescindibilidade ao interesse público. O professor de comunicação e filósofo Wilson Gomes (2009) afirma que este discurso é de autolegitimação, onde o próprio campo tem conformado a identidade da corporação, o que o teórico Pierre Bourdieu (1996) chama de autonomização do campo. Para ser uma profissão autônoma, o jornalismo durante anos - desde a Revolução Francesa como defende o professor Josenildo Guerra (2003) - criou sobre si uma aura de valores, como verdade, credibilidade, justiça e ética necessária para ser respaldado pela sociedade e o Estado. Sem a confiança do público, o jornalismo não é nada. E, atualmente, não há quem ignore que o jornalismo tem força ou poder. “Como instituição social, o jornalismo cumpre um papel social específico, não executado por outras instituições” (FRANCISCATO, 2003, p22). O discurso dominante na literatura traz o jornalismo como uma instituição que deve ser mantida, protegida e cuidada pelos cidadãos e seus representantes. Neste sentido, autores como Schudson (2008 e 2011), Marques de Melo (2008) e Traquina (2005) destacam a importância do reconhecimento do jornalismo pelo público, uma vez que todas as mutações desta prática passam pelo referendum da sociedade. Desta forma, o interesse público se torna constitutivo do jornalismo.
Wilson Gomes ainda analisa que o jornalismo se considera valor universal baseado em instâncias de realidade difusas e imprecisa, porém com enorme poder de gerar veneração e culto. “E, quanto maior o valor de culto da ‘opinião pública’, tanto maior é o grau de legitimidade social da instituição social encarregada de protegê-la, defendê-la, velá-la (GOMES, 2009, p.71). Conceitos construídos ao longo da história tentam explicar tangencialmente o papel social do jornalismo, principalmente através das teorias que tratam das rotinas produtivas do jornalista, o newsmaking, como os procedimentos de objetividade jornalística e a verdade como dogma deontológico.
São minhas preocupações, assim como das minhas alunas. Uma quer entender porque existe a coluna “erramos” nos jornais. Como este dispositivo pode ser tão importante para o jornalismo? Porque admitir o erro tem, pelo menos no discurso da profissão, importância? Ou seja, o que conta não é o procedimento de garantia de veracidade, mas porque jornais que são pegos constantemente em manipulação de informações em defesa de interesses se preocupam com correções de nomes, de datas, de ortografia, e não retificam o não-jornalismo flagrado cotidianamente.
A outra quer saber como uma empresa jornalística, que ao visar lucros e seguir as regras do mercado liberal no Brasil, defende ao mesmo tempo valores inegociáveis como verdade, ética e servir ao interesse público? O paradoxo da profissão nunca ficou tão claro, tão gritante, tão perturbador para os profissionais neófitos no mercado. A ferida abre mais a cada confronto midiático, vide as eleições presidenciais deste ano quando recortes de jornais impressos e online circulam nas redes sociais como prova das verdades e acusações de mentiras. Como se a imprensa sempre estivesse a serviço de um lado, e nenhum desses lados atende ao interesse público.
Não raro em congressos de estudos do jornalismo, como acontece anualmente há 12 anos no encontro da Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Jornalismo (SBPJor), nós pesquisadores (na grande maioria também professores) discutimos sobre as mutações do jornalismo. Este ano de 2014, estou em Santa Maria, no Rio Grande do Sul para apresentar o primeiro ensaio da minha pesquisa, com o artigo “Para que serve o jornalismo: Um caminho para estudar as funções da instituição jornalística no Brasil”. Um artigo ainda muito longe da resposta. Para onde vamos, como vamos e para o que serve o jornalismo?
Estou pesquisando, tem muitos colegas pesquisando, mas é muito mais emocionante ver meus alunos saindo da universidade preocupados com um tema tão profundo como este. Por isso que minha ‘desconfiança-quase-esperança’ de um jornalismo melhor não precise de bases científicas neste momento, apenas olhar e observar ‘meus meninos e minhas meninas’ saindo da universidade pensando. O cenário está mudando. Espero que seja para melhor.
Prof.ª Me. Adriana Santiago
Jornalista profissional há 23 anos e professora do curso de Jornalismo da Unifor desde 2006. Possui mestrado e cursa doutorado no Programa de Pós-graduação em Culturas Contemporâneas, da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.
TEXTO PUBLICADO NO ANUÁRIO 2014 DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIFOR

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