Blog para discutir a tese "Papel social do jornalismo no Brasil" desenvolvida entre 2013 e 2017.
terça-feira, 17 de novembro de 2015
terça-feira, 10 de novembro de 2015
Jornalismo, um gigante submetido e insubmisso
LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. 4ª ed. rev. e ampl. Florianópolis: Insular, 2012. Série Jornalismo a Rigor, Vol. 5.
Nilson Lage (2012) afirma que a
orientação ideológica na produção do Jornalismo moderno se relaciona com
valores da classe burguesa em ascensão, como os da liberdade de expressão e de
imprensa, somados ao imaginário de liberdade das empresas liberais. “A liberdade
de expressão do pensamento somou-se, na luta contra a censura, às outras
liberdades pretendidas no ideário burguês e o jornal tornou-se instrumento de
luta ideológica, como jamais deixaria de ser” (LAGE, 2012, p.23). Assim, os
jornais conceberam para si uma produção de conteúdo livre, porém foram
recapturados pelos interesses comerciais que os sustentam, assim, a liberdade
de produção noticiosa é uma fantasia e o jornalismo não passa de uma arena
ideológica.
A primeira luta diz respeito aos
princípios da imparcialidade, objetividade e veracidade, muitos caros à
atividade jornalística, fadada a conviver com a subjetividade do profissional,
da empresa jornalística e do momento histórico a qual pertence. Para tentar
estabelecer uma teoria que dê conta desses desvios, Lage (2012) classifica
filtros técnicos e ideológicos utilizados na atividade que garantem a sua
sobrevivência e relacionamento com a verdade até os tempos atuais.
Ao demonstrar que não é possível fazer
a distinção sobre os critérios de verdade, pois esta não existe fora de um
contexto histórico de interesses e motivações, enumera técnicas de fazer jornal
que responderam às necessidades criadas pelas mutações da sociedade e da
atitude do público com o jornalismo industrial. “A reiteração ideológica teria que
ser feita por outros meios, e estes foram supridos por novas formas de produção
da informação” (LAGE, 2012, p.31). Daí enumera o sensacionalismo, a
simplificação, o inimigo único, os critérios de aferição da verdade, o abandono
consciente das interpretações e a proposta de uma linguagem transparente.
Se no início a notícia era
artesanal e incorporava crenças e perspectivas individuais, ao se tornar um produto
industrial passou ser um artigo de consumo, sujeito a acabamento padronizado e
embalados conforme técnicas de marketing.
“Impessoal, tende, nos meios de comunicação social de agora, a produzir-se
de modo a eliminar aparentemente crenças e perspectivas. No entanto, a melhor
técnica apenas oculta preconceitos e pontos de vista do grupo social dominante”
(LAGE, 2012, p.45). Ou seja, o autor admite que a notícia aponta para um
imediato concreto, um discurso elaborado de forma coletiva e industrial
massificada de um bem simbólico.
Contudo, alerta que, ao se
definir notícia como o relato de uma série de fatos a partir do fato mais
importante, reduz-se a discussão ao que venha ser importante, um conceito abstrato e contextualizado historicamente.
O modelo universal de construção do texto noticioso tem que se adaptar aos
diferentes idiomas e às grades de referenciais de cada cultura ou mercado.
Assim, pode-se afirmar a existência de várias formas de notícias, e porque não
dizer de vários jornalismos. “A realidade é múltipla, simultânea. A língua,
linear e sequencial” (LAGE, 2012, p. 85). Desta forma, essa seleção é, para
Lage, um momento de técnica com constatação empírica, com critérios de
avaliação formal, mas que também considera pressupostos ideológicos e
fragmentos de conhecimento científico.
Na tentativa de pensar a notícia
tecnicamente, Lage a classifica como axiomática, porque mostra, impõe,
dispensando argumentos que se furtam à análise crítica; contextualizada em
lugar no espaço, no tempo e no público; e munida de prestígio, que se respalda na
confiabilidade do enunciador ou do veículo. Uma característica destacada é a estrutura
em um sistema linguístico em que emissor e receptor se relacionam em um nível de
poder. Lembrando que a produção da notícia privilegia a função referencial,
eliminando-se todas as funções emotiva e conativa (JACKOBSON, 1974), destaca
que a notícia tenta uma aparência de neutralidade, “cujo repertório tem apenas
ideias estatísticas”, e tenta se inocentar como se a produção linguageira da
notícia fosse desinteressada.
Contudo, a arena ideológica volta,
neste ponto, a se manifestar a partir da análise dos recursos estilísticos do
texto jornalístico. O autor traz à análise o processo criativo dos redatores ao
se empenharem na melhor redação para suas notícias que se adaptam a ambientes
solenes ou informais. “O “resmungo” é uma investigação da harmonia, do ritmo,
dos acentos” (LAGE, 2012, p.60). Essa construção estilística passa pela
nomeação neutra em torno dos fatos jornalísticos, a fim de amplificar o sentido
ao maior número de pessoas. Ao operaram preferencialmente com palavras comuns, alimentam
o sistema de trocas ideológicas e trazem, de maneira inevitável, implicações e
conotações ao sentido. Transmitem, assim, juízos e estereótipos invocando,
muitas vezes, a ambiguidade do mito como unidade do discurso e provocando uma
duplicidade de entendimentos (BARTHES, 1975). A partir desta reflexão, é
possível também entender as semelhanças das notícias em veículos concorrentes e
jornalistas falando de si mesmos de forma tão similar.
Tais modelos estão
prontos; sua aceitação é garantida. Por isso, são bastantes alguns pontos em
comum para que se funde um reconhecimento. É por esse meio que se instaura a
generalidade do particular e as notícias tornam-se exemplo de algo sobre o que
há consenso ideológico” (LAGE, 2012, p.139)
Ao entender o texto como unidade
linguística dotada de significação plena, divide entre ordem narrativa e
expositiva. Sendo a primeira ordem articulada pelos verbos de ação e movimento,
com interpretações profundas, vinculadas a estereótipos, antíteses e
improbabilidades. A segunda, de construção lógica com assertivas determinantes
ou comprovações, traz redundâncias documentais em textos de “alta
comunicabilidade”, ou seja, que passíveis de serem compreendidos pelo máximo de
receptores com repertórios diferentes.
Para explicar os seus critérios
de avaliação técnica, em 1979 quando escreveu a primeira versão do livro, nominados
posteriormente de critérios de noticiabilidade, o autor lança mão de atributos
com base nos “impulsos psicológicos inatos”, que podem ser de agressividade,
sexualidade, possessivismo e protetivismo, assim como métodos de sublimação,
redução e desvio.
“Na indústria
cultural, a agressividade encontra sua projeção mais comum na violência; a
sexualidade, no erotismo ou pornografia [....] ; o possessivismo, no consumo e em
representações de progresso [....], avaliado pelo acúmulo de bens ou índices
quantificáveis. Ascensão em escala
social, aquisição de padrões; o
protetivismo, em certo sentimentalismo aplicado às crianças em geral, aos
animais, aos povos primitivos e a sua natureza ou cultura selvagens” (LAGE, 2012, p. 87)
A partir destes atributos, classifica
critérios técnicos em proximidade (cultural e geográfica), atualidade (‘transatualidade’
– referente ao não conhecido), identificação social (verticalização), intensidade
(números e retórica); ineditismo (raridade, improbabilidade) e identificação humana
(olimpianos de Edgard Morin ou celebridades).
Com ênfase no contexto, Lage avança
numa investigação sobre a verdade nas notícias e novamente afirma que esta é
uma abstração, pois existe somente como um parâmetro de qualidade. “Subjetivamente,
existirá ainda como memória de um instante fugaz de uma descoberta ou revelação.
Nessa memória e neste instante, residem a experiência da verdade” (LAGE, 2012,
p.125). A palavra é polissêmica, autônoma e existe nos inconscientes em quadros
mentais de grande intensidade, mas que são enganosos porque seus significados
são variáveis de acordo com a instância de uso. Para ele, a verdade histórica é
a que prevalece, pois devemos partir da materialidade do fato para a eventual
condição de verdade.
Ao comparar o conhecimento
científico, destaca que a ciência conquista poder a partir do momento em que sua
acumulação de saberes tem uma práxis;
permitindo, quando o objeto é novo no campo, inclusive, que o cientista crie
uma realidade ilusória com base em critérios particulares para se fazer
compreender. Esta realidade construída também pode ser vista na notícia, sem,
contudo, ser encarada como fuga do valor da verdade. “Não há ciências
reacionárias, mas usos historicamente reacionários das ciências” (LAGE, 2012,
p.132).
Por fim, Lage fala sobre as
tensões que permeiam a autonomia semântica da palavra verdade, salientando o “universo
fundamentalmente humano” do código linguístico e o seu grau de competência para
organizar o conhecimento. Neste momento, se torna pertinente trazer à discussão
o pensamento de McLuhan sobre o homem tipográfico. “Dir-se-ia que a grande
virtude da escrita é o poder de deter o veloz processo do pensamento para a
contemplação e análises constantes. A escrita é a tradução audível para o
visual. Em larga medida, constitui a especialização do pensamento” (MCLUHAN,
2000, p. 155)[2].
Lage segue a mesma linha, ao depositar no código linguístico suposições
ideológicas da verdade, uma verdade como um acordo implícito na linguagem, mas
que traz um legado da cultura e seus controles. Porém, afirma que é necessário
delimitar a competência deste código linguístico ao utilizá-lo a partir da
materialidade das coisas e fatos do mundo.
“Notícias são relatos de
aparências codificadas pelo código semiológico (ou linguístico), pelas técnicas
de nomeação, ordenação e seleção, por um estilo” (LAGE, 2012, p.138). Assim, se
o jornalista seguir estas condições de conformidade será qualificado como
correto e honesto, sua competência é medida pelo domínio dessas técnicas, contudo
Lage alerta que essas técnicas dissimulam a relações de poder, pois todas as
escolhas em torno delas estão sendo feitas dentro de um código cultural. As
técnicas apenas tentam minimizar o desvio em relação aos valores do que é uma
notícia ideal. “Os jornais, em suma, não têm saída: são veículos de ideologias
práticas, mesquinharias. Mas têm saída: há neles indícios da realidade e
rudimentos de filosofia prática, crítica militante, grandeza submetida, porém insubmissa”
(LAGE, 2000, p.143)
[1]. Adriana Santiago, doutoranda e mestre pelo Programa de Comunicação e Culturas Contemporâneas (Poscom), da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor).
[2] MCLUHAN,
Marshall .Visão, som e fúria. In LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa.
Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 153-164
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