Adriana Santiago [1]
GENRO FILHO, Adelmo. O Segredo da Pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. Florianópolis: Insular, 2012. 240p.
‘O Segredo da
pirâmide’, de Adelmo Genro Filho, traz uma abordagem bem original sobre o
jornalismo como forma de conhecimento. Intitula-se uma teoria marxista, mas não
traz o pessimismo generalizado da Escola Crítica, embora considere a realidade
histórico-social e suas subjetividades como dimensão real e ativa, assim como a
objetivação como ponto fundamental nas relações práticas de produção. Para ele,
distante dos frankfurtianos, nem toda a capacidade crítica acabou após a
indústria cultural, o jornalismo não foi corrompido, ao contrário, foi construído
junto com o sistema e dificilmente se aproximará ao ideal funcionalista dos
primeiros estudos. Então, acerco-me de Genro em mais dois aspectos: primeiro o
jornalismo não existe só para alguns ganharem dinheiro e prestígio; e, segundo,
desempenha uma função importante na percepção social dos cidadãos.
Genro (2012)
percebe o jornalismo como uma ‘forma social de conhecimento’ que foi
historicamente construída embrenhada no capitalismo, mas que tem
potencialidades além da lógica funcionalista dos modos de produção. Com base em
Hegel e Lukács, afirma que o jornalismo é uma forma de conhecimento
cristalizada no singular, portanto, o dito jornalismo informativo, pautado na
objetividade, é “ideologicamente antiburguês”, improvável, mas politicamente
possível. Para o autor, o jornalismo é
uma forma singular de observar a sociedade, uma espécie de conhecimento
imoldável pelas caixas teóricas em voga. Ou seja, recomenda que é preciso abrir
os horizontes de pensamento e pensar uma teoria própria. O ponto crucial é que
a tese da “pirâmide invertida” quer ilustrar que a notícia caminha do ‘mais
importante’ para o ‘menos importante’ e entende o lead como apreensão descritiva e sintética do aspecto singular do
fato. Para Adelmo Genro, do ponto de vista epistemológico, o lead é o organizador da singularidade e
a pirâmide da notícia deve ficar em pé, porque a notícia caminha do singular
para o particular, ou seja, do cume para base.
Há um grau mínimo de conhecimento objetivo que deve ser proporcionado pela significação do singular (pelo singular-significante), que exige um mínimo de contextualização do particular, para que a notícia se realize efetivamente como forma de conhecimento. A partir dessa relação minimamente harmônica entre o singular e o particular, a notícia poderá - dependendo de sua abordagem ideológica - tornar-se uma apreensão crítica da realidade (GENRO, 2012, p.202).
Na introdução
da obra, Genro lembra da tentativa de sistematizar o campo jornalístico do
alemão Otto Groth, que de 1910 a 1965 escreveu seis volumes sobre o que chamou
de “ciência jornalística”. Com destaque para as conclusões de que os jornais
são a manifestação e materialização da ideia que o consubstancia, pois comunica
bens materiais que pertencem ao imaginário dos leitores; assim como a função
social de ir além da mediação, mas de promover uma reciprocidade entre
jornalistas, empresas e público.
Para Adelmo
Genro, Groth isolou as quatro características principais do jornalismo -
periodicidade, universalidade, atualidade e difusão -, que formam a dimensão
estrutural do fenômeno jornalístico, mas ainda não conseguiu caracterizar sua
essência. Para chegar à uma camada mais profunda, separa o objeto teórico do
objeto real (manifestação fenomênica), ressaltando que o real não aparece
imediatamente em sua concreticidade, mas após uma síntese das muitas
consignações. Seria o que chama de “concreto pensado” a partir da primeira
manifestação visível, por meio de outras categorias emprestadas do universo
filosófico: singular, particular e universal.
Escrita em
meados de 1986, a teoria de Genro se fortaleceu aos poucos em uma corrente de
pensamento que avalia o jornalismo em uma constante negociação entre o
ideológico e o capital: “a notícia é uma mercadoria, mas não é uma mercadoria
qualquer” (GENRO, 2012, p.23). Então, parte de dois princípios: é um
conhecimento diferenciado e está tensionado por polos ideológicos antagônicos.
O livro faz uma
análise sobre o funcionalismo, quando apresenta a visão de Èmile Dürkheim e da
Escola de Chicago a partir do dogma da objetividade, empirismo e análises
isoladas do contexto histórico e social. Põe em contexto a ascensão burguesa e surgimento
do capitalismo, quando o jornalismo surge moldado pela demanda de uma sociedade
em complexificação. As cidades se desenvolvem e cresce com elas a necessidade
de informação aos indivíduos agora fisicamente distantes. Formou-se um mercado para
a notícia que se torna um produto industrial. Aponta como uma visão simplista,
descritiva, reducionista do jornalismo e sua relação com a sociedade é apreendida
sob dois pontos de vista: como instrumento de dominação ideológica da burguesia
e como controlador da ordem social estabelecida.
Os fenômenos
imediatos e acontecimentos não eram percebidos na dimensão do seu sentido
aberto e indeterminado. Essa ambiguidade da informação jornalística, que
apresenta o passado como se fosse presente e reproduz um fato a partir de
mediações técnicas e fontes humanas, não é, na perspectiva de Genro, um
“produto maquiavélico do interesse burguês”. Aponta, realmente, uma
possibilidade de manipulação, mas condicionado à uma “relação tensa entre o objetivo
e o subjetivo” inerente à notícia. E critica o “curto fôlego” de Durkheim que
não responde sobre as características assumidas pelo jornalismo na organização
da informação e estrutura da linguagem, em sua perspectiva historicamente mais
ampla. “Ficam obscurecidas as contradições: sua inclusão na luta de classes e
os limites e possibilidades que daí decorrem” (GENRO, 2012, p. 34).
Embora o jornalismo expresse e reproduza a visão burguesa do mundo, ele possui características próprias enquanto forma de conhecimento social e ultrapassa, por sua potencialidade histórica concretamente colocada, a mera funcionalidade ao sistema capitalista (GENRO, 2012, p. 42)
O autor critica
o mito da objetividade jornalística porque sempre há uma interpretação
subjetivando a narrativa, pois fato jornalístico é também um fato social que
envolve escolhas éticas e ideológicas. Esta mitologia é sustentada pelo
pragmatismo de grande parte dos profissionais sem acúmulo teórico sobre as
técnicas jornalísticas e, mesmo assim, produziram manuais com experiências
práticas e disseminaram essas práxis insolente
e prosaica. E passa em revista os manuais de John Hohenberg (1962), Fraser Bond
(1954), Luiz Amaral (1969) e Clovis Rossi (1984). Destacando funções, valores,
deveres, critérios de noticiabilidade, características e, principalmente, o
dogma da objetividade.
Erick Neveu
(2006), anos depois, ao descrever o campo do jornalismo francês, faz observação semelhante
a respeito dos pesquisadores. Os analistas da profissão seriam os próprios jornalistas
que, evoluídos intelectualmente pós anos 1980 quando Genro teceu sua análise,
já adquirem um certo acúmulo teórico, mas ainda fazem uma teoria auto
referenciada de suas práticas, livros de testemunhos das estrelas da profissão,
textos que frequentemente contribuem para uma “visão encantada” do jornalismo.
Perpetuando mitologias profissionais como a imprensa livre, o quarto poder,
valores de transparência, ou seja, o jornalismo visto como uma profissão que é
peça-chave da democracia. Jornalismo como promotor de democracia, por exemplo,
tem atualmente em Michael Schudson (2010), seu maior defensor.
Forma de conhecimento
O ponto central
do livro é o jornalismo como forma de conhecimento, porque não é ciência
reconhecida. Tenta explicar a teoria a partir da visão de Roberto Park, no
ensaio “A notícia como forma de conhecimento” (1940), que definiu o jornalismo
entre algo entre um conhecimento por instinto e intuição (aquaintance with) e um conhecimento metodológico e estruturado (knowledge about), seria o saber de algo
acerca de um fato (knowledge of).
“Esse tipo de conhecimento se situaria a meio caminho entre a familiaridade com
as coisas e o conhecimento formal, racional e sistemático” (BERGANZA-CONDE,
2008, p.25). Ressalta-se que Park entendia o jornalismo como um organismo vivo
afundado em um processo continuado de acomodação às necessidades das pessoas na
sociedade que crescia e urbanizava-se incessantemente (BERGANZA-CONDE, 2008).
Para Adelmo
Genro, porém, a concepção de Park é limitada e conservadora e não consegue ir
além da função orgânica da notícia, uma vez que o jornalismo teria um papel
desalienante e humanizador, mas sua compreensão é de um jornalismo para controle
social. A concepção de conhecimento empregada por Park de “conhecimento de
trato” reduz o conhecimento a partir das notícias, porque este grau de
conhecimento estaria ligado a reproduzir e reforçar a dinâmica social vigente.
O jornalismo
não seria somente um grau, mas um gênero de conhecimento cujo aspecto central “é
a apropriação do real pela via da singularidade” (2012, p. 52). Park dizia
ainda que o conhecimento do jornalismo teria para a sociedade a mesma função que
a percepção para o indivíduo. Genro discorda ao distinguir as dimensões. Considera
a imediaticidade do real ponto de partida para o indivíduo, porém, para o
jornalismo, a imediaticidade seria o ponto de chegada a partir do qual os meios
reconstroem a realidade.
Conclui, desta
forma, que há uma diferença fundamental entre estes tipos de conhecimento. A informação
jornalística aborda o fato pela singularidade e a científica pela
universalidade. Uma singularidade que também a distingue da arte, que
cristaliza o particular. “É a dimensão objetiva da singularidade que diferencia
o jornalismo da arte” (GENRO, 2012, p.61). Ela é volátil, contextual, de
importância ideologicamente atribuída aos fatos significativos, portanto, afirma
a existência da dimensão subjetiva na práxis
jornalística feita por seres pensantes.
Passando em
revista as teorias existentes, chega à Teoria dos Sistemas, que nasceu logo
após à dialética, como redutor do papel do sujeito relegando-o a um mero
componente dentro de um sistema, que chama de ‘sistemismo’. Genro critica a
falta de proposta de ruptura e, apesar de entender que os fenômenos são
complexos, multidimensionais, variáveis e irreguláveis, ainda assim acredita no
controle possível a partir de leis gerais dos sistemas. À luz da visão marxista,
de que a sociedade é resultado da práxis,
aponta uma diferença entre a natureza dos homens (agentes autoconstrutores/
sujeitos históricos) e a natureza em si, e conclui que o sistemismo é útil ao capitalismo
ao referendar a dominação burguesa como parte deste sistema. Destaca a totalidade
dialética das contradições na sociedade que possibilitam diferentes formas de ações
e transformações e, assim, não caberia ser avaliada nos modelos cibernéticos. Os
projetos humanos são condicionados pela realidade social e não são determinados
como entende a Teoria Cibernética. O que explica o mundo é a práxis.
A dialética da quantidade-qualidade
é outra fragilidade apontada. Enquanto a Teoria da Informação oriunda do
sistemismo valoriza o grau de imprevisibilidade, porque maior será o destaque
dado pelos jornais, a quantidade seria determinante. No jornalismo, a
relevância social do fato o torna mais importante do que a sua singularidade,
ou seja, a relação do jornalismo seria mais forte com a qualidade. Por isso, o
singular é a substância do jornalismo e o critério de notícia vai depender da
universalidade que ele expressar. “O singular, portanto, é a forma do
jornalismo e não seu conteúdo” (GENRO, 2012, p.80). Os acontecimentos
previsíveis (mas não determinados em sua forma e conteúdo), pois estes
acontecimentos estariam dentro de um contexto de significação histórica.
Destaca o
pensamento de Camilo Taufic (1974), como uma das poucas tentativas de discutir
o jornalismo numa perspectiva crítica e anticapitalista a partir dos conceitos
da Cibernética, outra teoria sistêmica. A crítica mais feroz está no fato de
que as funções que o jornalismo cumpre nas “reprodução e manutenção do sistema”
são, na verdade, definidas pelas classes dominantes. O jornalismo não pode ser considerado
por hipóteses que extingam a reflexão sobre o conceito de verdade e substituí-lo por pressupostos em torno de um controle e
organização do sistema social. Genro
enfatiza que a ideia de autoconstrução, práxis e homem sujeito da história,
próprios do marxismo, não podem ser abandonadas pelas ideias de sistemas de
informação ou homem como parte de um sistema passível de manipulação e
controle.
Em última análise, as possibilidades de manipulação proporcionadas pelos meios de comunicação de massa, são tão significativas quanto as potencialidades de desalienação e de autoconstrução consciente se tais meios forem pensados numa perspectiva revolucionária e efetivamente socialista (GENRO, 2012, p. 90)
Ao chegar a
Escola Crítica, representada pelos marxistas de Frankfurt, Genro não se
identifica ou se acomoda às análises, destacando que um único conceito, não dá
conta de toda uma sociedade. Vai no cerne do conceito ‘indústria cultural’, e
afirma que essa fragmentação “radical e irresistível” é um grave problema
teórico pois a cultura é feita pela práxis
dos seres sociais e não pode ser manipulada pelo capitalismo como dizem os
teóricos críticos, como Adorno e Horkheimer, pois deixaria de ser cultura. Da
mesma forma, não se pode reduzir o jornalismo a um fenômeno mercantil, alienado,
porque é também é feito em um contexto histórico.
Chama a atenção
para Enzensberger e Benjamin que reconhecem as potencialidades artísticas e
políticas da Indústria Cultural, apesar de destacarem o papel que desempenha na
manutenção da hegemonia ideológica. Para Genro, dois fenômenos sustentam as
contradições geradas na cultura: o potencial “socializante e democrático” das
novas tecnologias da comunicação; e a lógica mercantil que reproduz também
obras de potencial crítico e transformador. O jornalismo, contudo, não seria
crítico, revolucionário e desalienador como desejavam os frankfurtianos porque,
para Genro, deixaria de ser jornalismo e teria que ser outra coisa.
Habermas recebe
destaque nesta escola porque, para o autor, entre os teóricos críticos, foi o
que mais estudou o jornalismo. Dividiu-o em três fases, sendo a primeira
centrada nas informações mercantis, a segunda mais político-literárias voltada
para a conquista da esfera pública burguesa e a terceira industrial com retorno
aos interesses econômicos, de submissão ao mercado. Nesta última fase, destaca
a contradição entre o ‘jornalismo crítico’ e a ‘publicidade jornalística’,
assim como as notícias tiveram que se tornar mais úteis, adquirindo valor de
uso, para que o espaço publicitário (valor de troca) seja valorizado. Habermans
afirma, na perspectiva de Genro, que o mercado criou a necessidade das notícias
elaboradas nos padrões modernos ou percebeu as reais necessidades de informação
jornalísticas e transformou-as em lucro. E, nesta segunda opção, recebe o apoio
do autor em resenha, que não acredita em uma capacidade de orquestração tão
organizada do capitalismo.
Nesta
perspectiva, afirma que, ao contrário do que Habermans e Marcondes Filho,
pregavam, a imprensa pode ultrapassar sua função moldada na produção
empresarial, sair da instrumentalização ideológica e assumir um ‘caráter
rigorosamente jornalístico’, ou seja, não ser aparelhada por qualquer
tendência, burguesa ou proletária. Para Genro, o jornalismo vai além da
ideologia burguesa, e até sobrevive a ela, podendo ser instrumentalizado pelo proletariado
contanto que se crie mediações e canais adequados para difundir conteúdos
sociais, ou seja, dando voz ao povo. Neste ponto, classifica como ingênua a
ideia de Mattelart sobre “devolver a palavra ao povo”, pois este não considerou
o fato de que as pessoas comuns nunca tiveram acesso a esse tipo de “palavra”
que agora se pretende devolver, principalmente no caso os veículos de
comunicação de massa. Assim, conclui que a “é a luta pelos espaços no sistema
de comunicação de massa e a conquista de veículos tecnicamente avançados”
(GENRO, 2012, p.131). Todas essas escolas colocadas, Genro mostra que o
reducionismo teórico é o preço a pagar pelo ecletismo de abordagens, pois o
jornalismo vai perdendo sua “especificidade e concreticidade histórica”.
Ao discutir a
notícia como produto, desfaz a mitologia da objetividade, uma vez que as
histórias são contadas a partir de mediações histórico-sociais. Ao mesmo tempo em
que ratifica a hegemonia ideológica das classes dominantes que se apresenta nos
produtos noticiosos e nas instâncias de produção, principalmente, nos
profissionais, incorporadas e invisíveis ao primeiro contato. Este ideal
positivista de objetividade preveria um jornalismo autônomos dos sujeitos, e
isto não existe. Embora reconheça as vantagens práticas e estratégicas das
técnicas, como Gaye Tuchman (ano) e Nilson Lage (2014), este último indicou a
mesma tensão “entre as determinações ideológicas e manipulatórias do jornalismo
e as potencialidades técnicas que ele desperta, em consonância com as
necessidades de informação colocadas pela sociedade moderna” (GENRO, 2012, p.143).
Lead como organizador da singularidade
Ao tratar do
jornalismo como ideologia, começa a análise pelo lead, que comporta a “reprodução do real como
singular-significativo” por meio de um percurso que sai do abstrato para o
concreto. Que, na linguagem filosófica, significa o percurso singular-particular-universal.
Para que seja jornalismo, a informação ainda tem que se basear na condição de
verdade, porém não se pode transformar essa questão em uma deontologia frágil
baseada na neutralidade dos fatos, mas em uma discussão ética para obter um
consenso sobre o conceito de honestidade, um acordo sobre o que é verdade.
Neste raciocínio tenta compreender a essência do jornalismo, em suas fases de
mudanças estruturais e a sedimentação em gêneros, em que reconhece a
possibilidade de um jornalismo informativo, não propagandístico ou opinativo, a
partir de mudanças a partir das redações. “Isto é, reconhecer a possibilidade e
a necessidade de um jornalismo informativo com outro caráter de classe,
elaborado a partir de outros pressupostos ideológicos e teóricos, mas cuja
missão principal não seja apenas a de propagandear tais pressupostos” (GENRO,
2012, p.150).
Uma das
consequências mais graves da visão estreita do papel ideológico do jornalismo,
entendido como meio para garantir a cultura hegemônica burguesa, é a
legitimação da manipulação informativa, porque minimiza o papel revolucionário
de seres sociais. A ‘veracidade’ e o ‘otimismo’ são condições de qualidade da
notícia, e os fatos não devem servir só para ilustrar com otimismo um tipo de
verdade que se acomode à ideologia hegemônica. “Desse modo, os fatos são
apreendidos e relatados jornalisticamente como cenas de um filme do qual já se
conhece o final e, portanto, portadores de um conteúdo integralmente
constituído e indiscutível” (GENRO, 2012, p.157).
Genro aponta
que o ‘objetivismo’ e o ‘cientificismo’ são utilizados para renúncia da crítica,
sendo o primeiro reprodutor da ideologia burguesa e o segundo, de uma ideologia
normativa que manipula cientificamente aspectos e momentos da realidade em prol
de uma ideia pré-concebida de sociedade. O autor lembra aí Althusser (1980) e o
conceito de aparelhos ideológicos de Estado, que daria ‘correias ideológicas da
reprodução social’. Perdem-se, assim, as melhores potencialidades críticas e
desalienadoras mais específicas do jornalismo.
Entende-se o
jornalismo como uma conjunção de todas estas forças, não submissão integral a
estas. Althusser (1980) afirma que as ideologias se manifestam na prática dos
sujeitos, ao mesmo tempo em que não têm história própria se constituem e
perpetuam em todo o processo de construção da sociedade e que essa perpassa o
todo histórico, embora sejam determinadas em última instância pela luta de
classes, isto é, "história das sociedades de classes" (ALTHUSSER,
1980, p.75). Assim afirma que "uma ideologia existe sempre num aparelho, e
na sua prática ou suas práticas. Esta existência é material (ALTHUSSER, 1980,
p.84).
Condições imaginárias de cidadania
A imprensa
entendida como aparelho ideológico das classes dominantes pode ser um local de
luta de classes, que envolvem elementos internos do campo jornalístico (classe
de trabalhadores, patrões e as suas instâncias de poder) assim como tensões que
vêm da sociedade, como a demanda do público em resistências aos discursos
manipulados e às tensões já inerentes das questões políticas e econômicas
impostas pelas classes dominantes. Assim, o poder se manifesta na correlação de
forças que tem que administrar para se perpetuar, desta forma, ''nenhuma,
classe pode duravelmente deter o poder de Estado sem exercer simultaneamente a
sua hegemonia sobre e nos Aparelhos Ideológicos de Estado" (ALTHUSSER,
1980, p. 49). Ou seja, o campo jornalístico vira um nicho importante de
conquista ideológica para perpetuação do poder.
Althusser
(1980) se vale de Aristóteles para afirmar que a 'matéria se diz em vários
sentidos', pois esta existe em diversas modalidades enraizadas em uma matéria
física, e cita o exemplo de indivíduos cultivando relações imaginárias que
justificam suas relações reais e adota práticas e comportamentos reais neste
sentido, assim materializa essa ideologia. Todo sujeito deve agir segundo as
suas ideias e práticas profissionais, e inscreve nos atos da sua prática
material as suas próprias ideias de sujeito livre. Assim, não há como separar a
ação dos sujeitos neste processo de construção da mercadoria notícia.
Genro analisa a
relação do jornalismo com o capitalismo que é em si uma relação conflitante.
Uma atividade privada legitimada pela defesa do interesse público, embora, na
maioria das vezes, esteja operando em prol de interesses ideológicos
hegemônicos. Adota a tese que até a metade do século XIX, quando da expansão
mundial do capitalismo e a difusão das inovações tecnológicas na comunicação, o
jornalismo tinha uma narrativa literária e era instrumento de lutas sociais e
políticas. Como a maioria dos estudiosos dos anos 1980, ignorava os registros
da tese “Os relatos Jornalísticos”, de Tobias Peucer (1690), na Universidade de
Leipzig, na Alemanha, traduzidos do latim em 1990, 2000 e 2004, que já davam
conta que na primeira metade do século XVII já existiam relatos jornalísticos
frequentes que “são em parte a curiosidade humana e em parte a busca de lucro,
tanto da parte dos que confeccionam os periódicos, como da parte daqueles que
os comerciam, vendem” (PEUCER, 2004, p17). Ou seja, muito antes das revoluções
francesa e industrial já analisavam estes relatos utilizados pela cultura
ocidental desde a antiguidade, com a valorização do singular, discutindo autoria,
critérios de noticiabilidade, dever da verdade, credibilidade e critérios de
publicação. Sem falar nas publicações de fatos banais e notícias falsas para
agradar a audiência.
O desconhecimento
de Genro não descredibiliza, contudo, que a “ideologia da objetividade” tenha
chegado em meados do século XIX com o que denominou de “jornalismo por
excelência” e a ideia simplista de que os fatos são sagrados. Acrescenta que na
América Latina sempre teve uma dependência informativa, mas, apesar da
subordinação aos Estados Unidos em vários aspectos, ainda demorou alguns anos
para assumir o novo estilo - inclusive o contraponto sensacionalista -
acontecendo apenas com a chegada do rádio. A dinâmica radical do processo
informativo ocorreu com o capitalismo e os avanços tecnológicos. Contudo, Genro
entende que a cidadania patrocinada pela sociedade burguesa é historicamente
real e efetiva, embora não tenha igualdade nem nos aspectos jurídicos-formais e
nem nos aspectos concretos devido à exploração e opressão. Dessa forma, o
jornalismo informativo se faz necessário porque envolve a contradição entre a
cidadania real e a “cidadania potencial” que é constituída pelo capitalismo.
“Nesse sentido, o jornalismo desempenha seu papel ideológico de reforçar,
também, determinadas condições imaginárias de cidadania, preparando os
indivíduos e as classes para adesão ao sistema” (GENRO, 2012, p.180).
Assim, o autor
justifica essa ambivalência do jornalismo no conflito que atravessa toda a
ideia do jornalismo e autoriza os agentes do campo a pensarem a prática sob uma
ótica de classe oposta e antagônica à ótica burguesa, abrindo flancos,
inclusive, dentro dos veículos noticiosos controlados pela classe hegemônica.
Há uma dupla relação de forças, sendo a luta política interna da redação de um
lado e a luta pela influência e controle sobre os meios de comunicação. Contudo,
Genro adverte que o assujeitamento do jornalista, que deixou de ser um intelectual,
no “sentido adjetivo dessa palavra” para ser um trabalhador especializado, sem
personalidade e tem feito a classe perder status,
no caso, poder no campo de disputa.
Por fim, aconselha
aos profissionais ações que podem destacar o “potencial desalienador”, crítico
e revolucionário da atividade profissional, “insubstituível para a construção de
uma sociedade sem classes” (GENRO, 2012, p.188). Respeitar a hierarquia
objetiva dos fenômenos jornalísticos, pondo em evidências as contradições da
hegemonia da ideologia dominante, reproduzir visões diferenciadas sobre os
fenômenos sociais, lutar por um controle mais estrito e ideologicamente mais
cuidadoso dos meios de comunicações e das informações elaboradas por estes
meios.
E como já vislumbrasse uma tecnologia de
comunicação revolucionária como a internet e suas alterações históricas dos
sentidos humanos, uma ampliação e aprofundamento da percepção e das possibilidades
do conhecimento em geral, alerta para o papel, e principalmente potencialidades,
dos outros veículos de comunicação além da televisão com seu sistema
jornalístico predominantemente hegemônico, imediatista, e a sua potencialidade
de singularização. Sugere ainda aos consumidores de notícias, a participação na
luta de classes para identificar os interesses, confrontar abordagens dos meios
para que se revelem os sujeitos políticos e sociais, relacionar o discurso
editorial e a realidade e detectar suas contradições e criar consciência política
e teórica de que a informação jornalística não é objetiva, imparcial ou neutra.
Adelmo Genro
faleceu com apenas 36 anos. Neste curto tempo, foi jornalista e vereador no Rio
Grande do Sul, e professor da Universidade de Santa Catarina (UFSC). Entre 1984 e1986 cursou também o mestrado em
Ciências Sociais e já na dissertação nos presenteia com esta obra que agora
resenhamos. Depois disso, foram dois anos de intensa produção - sete livros e
dezenas de artigos em jornais e revistas – que alimenta gerações de
pesquisadores há 28 anos. Adelmo Genro não era um pesquisador, mas não era um
pesquisador qualquer.
Bibliografia
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de estado.
Lisboa: Editorial Presença; São Paulo: Martins Fontes, 3.ed.
1980.
BERGANZA CONDE, Maria. A
contribuição de Robert Ezra Park. In: BERGER, C.;MAROCCO, B. (org.). A era
glacial do jornalismo. Porto Alegre/RS: Sulina, 2008, p.15-32. v.2.
NEVEU, Érik. Sociologia do
jornalismo. São Paulo: Loyola, 2006.
PEUCER, Tobias. Os Relatos
Jornalísticos. Estudos em Jornalismo e Mídia, Florianópolis, v. 1,
n. 2, p. 13-30, jan. 2004. ISSN 1984-6924. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/jornalismo/article/view/2070>. Acesso em: 23 jan. 2016.
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